Considerada a principal entre as religiões monoteístas, o
Judaísmo originário das crenças do povo judeu é estruturado em três pilares
principais:
Ø
a Torá;
Ø
boas ações
Ø
adoração.
Por ser uma religião que supervaloriza a moralidade, grande parte de seus preceitos baseia-se na recomendação de costumes e comportamentos “retos’’, com o dever a pratica da justiça, amor e misericórdia, caminhando humildemente nas sendas divinas”.
O Deus apresentado pelo Judaísmo é uma entidade viva, vibrante, transcendente, onipotente e justa. Não é uma religião de conversão; efetivamente respeita a pluralidade religiosa, desde que não venha a ferir os preceitos do judaísmo.
A prática da
religião está presente no dia a dia do judeu com especial atenção à sua
alimentação, que deve ser livre de substâncias consideradas impuras; para tanto,
é adotado um cardápio específico, denominado kosher. O Shabat, ou dia
do descanso, também é fielmente seguido do pôr do sol da sexta-feira até o pôr
do sol do sábado, celebrado com orações, leituras e liturgias na Sinagoga, o
templo judaico.
As escrituras
sagradas, leis, profecias e tradições judaicas remontam a aproximadamente 3.500
anos de vida espiritual e estão registradas em duas principais leituras: a
Torá, também conhecida como Pentateuco, correspondente aos cinco primeiros
livros do Antigo Testamento bíblico, e o Talmud, uma coleção de leis que inclui
o Mishná, compilação em hebraico das
leis orais, e o Gemará, comentários de rabinos sobre essas leis em aramaico.
No Brasil, a religião surgiu no século XIX, com a imigração de aproximadamente 5,5 milhões de judeus, entre 1870 e 1920. Hoje, o judaísmo é praticado por cerca de 15 milhões de pessoas em todo o mundo.
“O Judaísmo dá importância ao trabalho médico.” Essa foi a primeira observação feita, durante a entrevista, pelo Rabino Chamai Ende, especialista em leis judaicas da sinagoga Beit Chabad do Brasil. Para ele, as doenças e deficiências são fragilidades colocadas na vida do homem por Deus.
Contudo, segundo a visão judaica, o homem pode
intervir para sua cura, e ele ressalta que, em uma das leis orais, Deus diz que
devemos ouvir os médicos. O Rabino explica que Deus atribuiu ao médico a força
de curar, sendo ele o responsável por este dom. O médico tem como obrigação se
especializar ao máximo para vencer as doenças e fragilidades humanas, conclui o
rabino.
Quanto aos métodos da medicina atual, o Rabino salienta que apenas em três situações, ainda que para evitar risco de morte, os princípios judaicos não abrem mão da religião e vetam; são elas: idolatria, homicídio e relações incestuosas.
Com muita convicção no que diz, o Rabino Chamai Ende cita que dentro das leis judaicas tudo deve ser feito para a construção de uma família, desde que esse filho seja fruto de um casamento realizado sob os preceitos da religião judaica, sendo vetada qualquer forma de ajuda para casais que não se enquadrem nela, seja por médicos judeus ou não judeus.
Perguntado
sobre os métodos de inseminação artificial, o Rabino declara que os três
tratamentos são aprovados pelos judeus. Porém, ele cita algumas recomendações
específicas de cada procedimento. O coito programado é aceito, desde que seja
feito dentro das leis da religião, como foi esclarecido no começo do capítulo.
Além do apoio da religião, o casal com dificuldade para engravidar encontra
todo o apoio dentro da comunidade judaica para a realização de seu sonho.
No caso da
inseminação artificial e da fertilização in
vitro, o religioso explica que há algumas recomendações que devem ser
respeitadas. A maneira como o sêmen é retirado, para ambos os tratamentos não
pode ser da forma costumeira. Ele explica que deverá ocorrer uma relação sexual
entre o casal e a coleta do sêmen deve ocorrer utilizando-se uma camisinha
especial.
Quanto ao
procedimento de congelamento de óvulos e embriões, a prática é aceita desde que
com acompanhamento de um rabino, assim como nos outros métodos, e com a
garantia de que estes não serão utilizados por outra pessoa.
Mesmo quando o
rabino cita a obrigação do casal judeu de ter filhos, faz questão de lembrar
que são totalmente contra a doação de embriões. O mesmo vale para doação de
sêmen e óvulos.
Dentro dos
costumes judaicos, todos os procedimentos de uma inseminação assistida precisa
do acompanhamento e da supervisão de um rabino em todas as etapas, desde a
coleta do sêmen e óvulos até e, principalmente, o processo da fecundação. Hoje
existem rabinos especializados nesta área para auxiliar os casais judeus com
esse tipo de tratamento.
“Nós
consideramos o casamento algo sagrado. Gerar uma criança é um ato físico
normal, mas dentro do Judaísmo não pode ser usado em outra pessoa. É como se
estivéssemos profanando o embrião que foi feito por esse casal, comparado a uma
invasão familiar”, ressalta o Rabino.
Quanto ao aborto, agora, podemos afirmar que o feto é uma criatura à parte e
independente da sua mãe? Ou talvez considerar o feto, antes do seu nascimento,
como uma espécie de órgão adicional da mãe.
O Talmude ensina que se lhe
proporciona uma alma ao embrião no momento da concepção. É claro que, segundo o
Talmude, o feto possui individualidade e, por isso, é um ser aparte da mãe, e
não pode ser considerado como um outro órgão da mesma forma.
O Talmude refere-se ao embrião
durante os primeiros quarenta dias de gestação como mayá beamá, que quer dizer “simplesmente água’. Podemos deduzir que
até este momento não se considera o embrião como um ser humano em todo o
sentido. Mas tão pouco se implica que deixemos de apreciar que estamos frente a
uma vida humana em potência.
O fator determinante é sem dúvida a
saúde e o bem estar da mãe. Nos casos em que o feto tem
deficiências genéticas, a nossa tradição desaconselha o aborto porque não
existe a certeza da falha que se acha que não pode ser corrigida no futuro. E
que diferença terá para nós o conceito de vida de um ser que tem deficiências
com um que não tem?
Teremos sempre em conta os efeitos
negativos que um bebê nestas circunstâncias pode trazer para a mãe, se a mãe
afirma e decide que não quer dar à luz um filho com sérias deficiências mentais
ou físicas e isso será motivo para o seu desespero, aqui se pode pensar na
possibilidade de fazer um aborto, pois a nossa responsabilidade primária tem a
ver com a saúde e o bem estar do ser humano integro, que neste caso é a mãe.”
“Reflexões
Sobre o Aborto” (1991), Luz – Textos e Depoimentos (Âncora, 2001), uma recolha
de escritos de Abraão Assor, rabino da comunidade judaica de Lisboa de 1941 a
1993.
Em termos gerais, tal como escreveu
o saudoso rabino Abraão Assor neste texto que transcrevemos, a Halacháh (Lei
Judaica) não só permite o aborto, como em algumas circunstâncias exige a
interrupção da gravidez. Acima de tudo, norteada pelo princípio da responsabilização
individual – um princípio central do judaísmo –, a tradição judaica coloca a
decisão na esfera familiar e, por vezes, comunitária.
Historicamente, nos países onde a
interrupção voluntária da gravidez se tem assumido como tema político de clivagem
– especialmente nos EUA –, as comunidades judaicas têm manifestado uma oposição
unânime à restrição do aborto por via legislativa. Os três principais ramos do
judaísmo moderno (ortodoxo, conservador e reformado) defendem que a discussão
do aborto pertence apenas e exclusivamente às mulheres e famílias afetada, e
não deve ser motivo de regulamentação legislativa ou demagogia política.
Mesmo assim, nos últimos anos,
surgiram algumas correntes antiaborto no seio de movimentos judaicos ultraortodoxos,
influenciados em grande medida pela forma como o tema tem elevado a importância
política de movimentos idênticos na direita cristã.
A pressão de alguns partidos
religiosos ultraortodoxos em Israel, por exemplo, fez com que as dificuldades
econômicas deixassem de constar da lista de razões legalmente reconhecidas para
que uma mulher pudesse recorrer ao sistema nacional de saúde para abortar.
Ainda assim, em Israel a interrupção voluntária da gravidez continua a ser
legal – gratuita ou com custos moderados –, com algumas restrições consideradas
“meramente formais” (ver Abortion in
Israel: Terms of Termination).
Pela legislação judaica, o feto não
é considerado uma pessoa, antes do nascimento. Ele é considerado parte do
organismo materno até o momento em que emerge do útero. Nos primeiros quarenta
dias de gravidez, o ovo fertilizado é considerado apenas um fluido sem forma.
No Livro Êxodo (Shemot), se há uma briga entre homens e um deles agride uma mulher
grávida e esta aborta, o agressor paga apenas ao marido uma quantia para
resgatar o bem perdido, mas, se a mãe também morre, ele paga o crime com á vida
(Êxodo, 21: 22 - 23) .
Disso deduzem os sábios que o feto
não é um ser humano, porque a morte de um ser humano é punida na bíblia com a
morte do assassino , pois está escrito que ‘’ quem agride um ser humano e o
mata , deve morrer (Ex 21:12) . O feticídio não é , portanto, punido com pena
capital, mas isso não exclui ser crime praticá-lo.
Em fontes talmúdicas (Mishnáh – Tratado Ohalot) a vida da mãe tem precedência sobre a do feto. Assim quando
o trabalho do parto ameaça a vida materna, é permitido destruir o feto (embriotomia ) para salvar a mãe. O
direito à vida do feto é subordinado ao da mãe e o feto pode ser sacrificado
para salvar a vida da mãe.
Maimônides vai além. Ele acha que o
feto que ameaça à vida da genitora é um agressor engajado em ameaça, da vida
materna, e assim deve ser eliminado. Alguns
acham que essa definição faz com que o aborto só possa ser sancionado quando o
feto é ameaça à vida quem o concebeu e que, nos outros casos o aborto seria um
crime de assassinato.
Ainda a Mishnáh
(Tratado Arachin) diz: “se uma
mulher grávida é condenada à morte e deve ser executada, não devemos esperar o
nascimento da criança; mas se as dores do parto já começaram, devemos esperar
até que o parto se realize”.
A Mishnáh,
neste tratado, explica que o embrião é parte do corpo materno, não tem
identidade própria porque depende do organismo materno para viver. Contudo, logo que ele emerge do útero e começa
a respirar, é considerado um ser autônomo (nefesh),
e assim não afetado pelo estado da mãe.
Esse conceito do embrião considerado
como parte do organismo materno é endossado pelos talmudistas e pelos rabinos
da idade média. Uma toseftá (suplemento
ou anexo do Talmud, [escritos por uns
150 sábios, estes eruditos viveram entre os séculos XII e XIV em França e
Alemanha principalmente] no tratado Nidáh)
constata que é permissível matar um feto não nascido. Mas algumas autoridades
acham que essa interpretação não deve ser tomada ao pé da letra e outras
autoridades mesmo que essas palavras dos Tosafot
são erradas.
Indiscutivelmente, nos primeiros
quarenta dias de gravidez, ovo fertilizado é considerado como mero fluido sem
forma e após esse prazo a formação do feto começa ocorrer. As leis de impureza
devem ser observadas pela mulher que aborta após os quarenta dias, e essas leis
não são idênticas às que se seguem a uma menstruação, mas sim às que se seguem
a um parto.
Pela lei judaica, a permissão de
comer terumá (ofertas a Deus) é um
privilégio de filhas solteiras, não casadas, de um sacerdote. Esse privilégio é
compartilhado por filhas casadas sem filhos e também por aquelas grávidas com
menos de quarenta dias de gravidez.
Algumas autoridades acham que essa
regra é suficiente para mostrar que o feto antes dos quarenta dias não é um ser
com qualquer direito. Após os quarenta dias, o feto adquiriria um caráter de
personalidade e, a não ser que ele ameace a vida materna, ele não poderia ser
eliminado.
A qualidade de vida que o feto terá
após o nascimento não seria uma razão para o aborto. Assim, mesmo que se
preveja o nascimento de uma criança com Tay-Sachs, mongolismo ou outra doença,
que vai ser uma sobrecarga para os pais e para a criança, pela lei judaica isso
não seria razão suficiente para o aborto. Anomalias físicas ou mentais não
afetam o direito de viver do individuo.
A autoridade rabínica do século XII,
Rabi Iehudáh, o chassid [o pio] , proíbe terminantemente a terminação da vida
ou infanticídio de uma criança nascida monstruosa. Estas considerações se
estendem, de acordo com muitas autoridades religiosas, ao termino intrafetal da
vida.
A gravidez não pode ser interrompida
mesmo que a mãe durante a gravidez tenha tido rubéola, ingerido talidomida, ou
haja indicação pré-natal de nascimento de criança mongoloide ou com Tay-Sachs
(rubéola?). Outras autoridades religiosas adotam ponto de vista oposto e
permitem aborto, nas primeiras etapas da gravidez, em consideração aos
sofrimentos futuros dos pais para criar a criança anormal.
Em relação ao estupro, muitas
autoridades religiosas são contra o aborto, nesses casos.
Um
resumo do ponto de vista judeu em relação ao aborto foi feito pelo professor
Abraham S. Abraham:
O aborto poder ser induzido se há
perigo para a vida materna,quando a gravidez ameaça a saúde física ou mental da
grávida.O aborto é permitido porque, em tais circunstancias, o feto (que ainda
não é uma pessoa formada) é considerado um agressor que tem como finalidade
matar a sua mãe e a vida materna tem precedência sobre a do feto.Mas, uma vez
emergida a cabeça do feto, durante o parto, a criança não pode ser mais
afetada.Ela constitui então uma entidade viável,cuja vida é tão importante como
a da mãe, e uma vida não pode ser sacrificada em favor de outra.
Se o aborto é sancionado pela
Halacháh (lei judaica) ele deve ser realizado de preferência nos primeiros
quarenta dias de gravidez.
No que se relaciona à possíveis
malformações ou doenças como Tay-Sachs, mongolismo ou defeitos congênitos por
rubéola, convém consultar uma autoridade rabínica, porque não há ainda critério
firmado. Outros acham que não se deve abortar.
Um feto anencefálico deve ser
abortado.
No caso de gravidez múltipla, é
possível permitir que alguns fetos sejam sacrificados para que outros possam
sobreviver.
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