segunda-feira, 8 de agosto de 2016

ÉTICA E MORAL NAS RELIGIÕES

Antes de se entrar em qualquer discussão, mister se faz definir bem os termos (ferramentas) com os quais se vai trabalhar.
Definir vem do latim definire (de-finis): delimitar, pôr limites, circundar.
Antes de definir a Teologia Moral Fundamental, deve-se saber o que significam alguns termos afins à Moral Fundamental, a saber: ethos, moral, moralismo, ética, alteridade bem como a relação entre eles.

1)                ETHOS:

a) Definições:
*                             Etimologicamente, ethos é uma palavra grega, escrita de dois modos diferentes (com êpisilon: έθος e com eta: ήθos), significando ethos (com êpisilon): “costume, morar, pastagem para animais, estilo humano de morar ou habitar”, e com eta: significa “caráter, estilo humano de ser, moralidade do ser” (Gewohnheit. M. Heidegger);
      
*                             Amplamente, ethos é “o modo ou jeito próprio de morar/habitar o “mundo” e organizar a “vida” em suas quatro direções ou relações espaço-temporais fundamentais: 1) em relação a si mesmo; 2) em relação ao mundo; 3) em relação ao outro e 4) em relação ao Outro (transcendental), respondendo aos estímulos e dasafios que a vida nos traz, surgindo, assim , os valores, normas, costumes e uma civilização na qual estão inseridos o indivíduo, os grupos sociais e um povo”.

      Noutras palavras, o ethos é uma matriz (própria) de percepção, apreciação e ação que nos permite viver assim (não diferentemente), organizando e corrigindo constantemente os resultados obtidos no presente, integrando as experiências do passado, surgindo uma “bagagem-elã da vida”.

            b) Origem do ethos:
            Esse sistema de disposições adquiridas (motivações, mitos, símbolos, valores, contravalores, normas, etc.) existe desde que surgiu o homem na face da terra, integrando à sua vida experiências passadas da humanidade e as fazendo “diferentes” de seu “primo”, o macaco que tem o sistema fechado (biopsiquicamente), agindo somente dentro dos condicionamentos genéticos (ou adestrados!), enquanto que o homem tem um sistema fechado (animal) e aberto (homem), biopsíquica e espiritualmente falando.



            c) Presença do ethos:
            O ethos se encontra na vida diária de cada pessoa, na sabedoria popular, nos provérbios, nos folclores, na religiosidade, nas cosmovisões e noutros domínios do homem.
d) Funções do ethos: O ethos serve para:
Ø    compreender a raiz profunda do humano;
Ø    alicerçar e sustentar o ser humano, independente de sua condição no    tempo-espaço;
Ø    fazer sugir a cultura (colligere: cultivar, juntar, colher), o direito, as normas, a religião;                   
Ø    apontar para a identidade mais profunda do homem, apesar de suas máscaras (Jung);
Ø    apontar para o ethos cristão (homem: imagem e semelhança de Deus)    que Jesus Cristo tornou tesouro com a junção do divino com o   humano em sua natureza, destruindo as máscaras e indicando a plena realização do ser humano, coroada com a dimensão moral e cristã [1].

2 – ÉTICA:
Definições:
*                             Etimologicamente, Ética (ηθική) vem da palavra grega ethos: ciência dos costumes, dos comportamentos e das normas do agir humano, sendo o fundamento da Moral, segundo os filósofos modernos, revestindo-se de um caráter mais reflexivo, enquanto que a Moral tem um caráter mais normativo-prático.
*                             Amplamente, Ética é a investigação dos valores e normas e a depuração das normas para que não fiquem caducas e ultrapassadas, na dinâmica do tempo e na diversidade do espaço, sem perder seu enraizamento no ethos (daí a palavra Ética), fazendo com que os valores e as normas continuem a inspirar, da melhor maneira possível, a vida humana, tendo em vista a sua realização plena.
*                             Historicamente, no Ocidente, por causa da abrangência do Cristianismo, a palavra “moral” foi rapidamente ganhando uma conotação religiosa e concebida como um sistema de princípios imutáveis e definidos a partir do exterior, portanto, fechado, acabado e contrário às mudanças, pois, Deus é imutável.

Noutras palavras, Ética seria uma moral não religiosa, nova, aberta, reflexiva, dinâmica, prospectiva, capaz de ir depurando sua fundamentação e codificação e ajudando a Moral a ir se atualizando, a ir se abrindo e a ser mais realista.

3 – MORAL:
a)                   Definições:

*                             Etimologicamente, a palavra Moral vem do latim mos, mores: costumes, comportamentos e regras mais estáveis que regem a vida humana, no tempo-espaço;

*                             Amplamente, Moral é o estudo e a reflexão que apontam normas, princípios e valores que orientam o agir humano, tratando do que “é preciso fazer”, sendo uma busca responsável e dinâmica de organização e sistematização dos valores e regras desejáveis e possíveis, válidos no tempo-espaço , aqui e agora, visando a realização plena do homem, através do “dia-logo” (diálogo: Eu-Tu: meu espelho!), perseguindo o “Mais” que está dentro do homem sob a forma de desejo constante e sempre insaciável totalmente[2].

       Noutras palavras, Moral é o jogo ininterrupto entre o desejo (não tanto conhecer → Ética) do homem em perdurar (devir: “vir-a-ser” homem), buscando a realização mais plena, através de regulamentos externos, fazendo, no seio da finitude e contingência, escolhas relativas (não absolutas), modestas (não prepotentes: Hitler) e únicas (o homem é único!) que, positivamente, permitem atingir o Absoluto (Deus: plena realização: visão religiosa), pela vivência de valores desejáveis e possíveis, sem cair no crasso relativismo, nem no irreal absolutismo, preservando a dimensão legal (leis do país), moral (crescer : humanizar-se) e espiritual (sentir a ternura de Deus) do ser humano, no seu “vir-a-ser” existencial (existência: essência!), perseguidor de uma maior humanização e realização[3].

                   Em síntese, a Moral é o jogo da liberdade humana, em busca de seu próprio bem e não o limite e a restrição de sua liberdade como se viveu tempos atrás. É uma tensão entre o já realizado (eu existo) e um “a fazer” (quero ser e viver feliz), sendo a ação não o fim, mas o instrumento da Moral e o ethos o seu substrato arqueológico inconsciente.


     
 b) Origem da Moral:
É a existência histórica e concreta (nascer-crescer, realizar-se, morrer) do homem, buscando a sua realização, esse homem semelhante às “primícias das criaturas de Deus (anjos), como dizia São Tiago (Tg. 1,16) e não a partir de uma revelação, princípios e valores”. É o homem “projeto” (pro-iectare: jogar-se para o fim) que interessa e não o conjunto de normas e valores ou revelação.
Por isso, segundo Santo Tomás (ST, Ia, IIae, q. 94), a Moral é fundamental ao homem, em sua existência concreta (ex-sistere: estar diante do Uno).
         Segundo Píndaro, poeta grego, a origem da Moral “é tornar-se aquilo que você é”, i. é, o existir do homem como consciência, liberdade e pessoa (no grego → prósopon (πρόσωπον): máscara; no latim →: per-sonare: soar através de → pessoa, Deus soa através do outro, no Cristianismo → Mt. 25,31-46!).
Para Aristóteles, a origem da Moral está no estabelecimento de relações entre a natureza do homem (nascer-viver) e o seu fim (realização) e não algo externo a si mesmo. Para ele, “ser moral” é sobressair-se em humanidade.

c) Presença da Moral:
Na vida global do homem, a Moral assume, em diversos campos, vários matizes:
ü       legalista: enfatiza a moral mais como “produtora” de leis e normas, muito comum nos radicalismos religiosos (cristão : Inquisição e islâmico: xiísmo: Bin Laden, etc.);

ü       personalista: busca orientar a pessoa em suas atitudes de vida e em suas opções fundamentais;

ü       dinâmica: leva a construir um mundo melhor, mais humano, fundado na justiça, liberdade, transparência e dignidade, unindo as diferentes dimensões do ser humano que, em conjunto, colaboram para a sua felicidade e realização;

ü       axiológica: a ligação da Moral com o ethos deve ser baseada em valores e não contravalores, já que o ethos engloba os dois.

             No Brasil, por exemplo, ou se assume o ethos de valores sérios (bondade, justiça, compaixão, solidariedade, etc.) ou os contravalores da submissão (Casa Grande e Senzala) e resignação (mais sofreu Jesus!) ou a arrogância do poder, privilégios e mordomias (os ricos de hoje e da Casa Grande e Senzala) ou os contravalores atuais: esperteza, jeitinho brasileiro, malandragem, corrida pela “sorte” (loterias que proliferam), pistolão, apadrinhamento, “troca de favores”, clientelismo e outros.
d)Funções da Moral:
A Moral serve como:
Ø       base para uma vida verdadeiramente humana;
Ø       ajuda para traçar os caminhos da realização e da felicidade de todos;
Ø       ensino (doutrina) que leva a investir na qualidade de nossas relações (4 tipos acima!), na busca de um mundo novo, imanente e transcendente, comportando um conjunto organizado, sistematizado e hierárquico de regras e valores de um grupo social ou religioso;
Ø       reflexão (ciência) sobre os fundamentos da ação e decisão do ser humano;
Ø       busca prática de um caminho possível e necessário à realização humana, ao nível pessoal, comunitário, social, ambiental, ecumênico, evitando o anárquico laxismo moral ou o intragável moralismo.

4 – MORALISMO:
Para a Moral não cair na armadilha dos contravalores e do Moralismo, ela precisa da Ética: horizonte crítico e depurador dos valores e regras. E o que é Moralismo?

a) Definição de Moralismo
Moralismo é o contrário de Moral. É a estagnação da vivência de novos conteúdos e objetivos que não realizam o homem e provém de duas atitudes bem comuns entre os moralistas: a) o processo dedutivo (parte de cima para baixo), fixando-se a atenção no conteúdo moral, absolutizando-o e objetivizando-o e o fazendo descer ao homem, surgindo disso a Casuística; b) o Irrealismo.
§        Dedução: Exemplo: “É proibido mutilar-se” (não querer viver); Ora, doar um rim para um transplante é uma mutilação; Logo, é uma coisa má e proibida” Outro exemplo: “Não matarás” (quer que os outros vivam); Ora, uma célula fecundada é um ser vivo; Logo, qualquer forma de aborto é um crime e é proibido”.
v       E por que não é proibida a morte por uma grande causa? Martírio ! Guerra!
§           Irrealismo: Os princípios gerais não servem para muita coisa (ST: Ia, IIae). A moral nasce na prática e se elabora na prática. É uma ciência indutiva (de baixo para cima: do real para o ideal) e não dedutiva.
b) Critérios do Moralismo:
*                                                                 Proibição: Isso não se faz; Isso é proibido; Isso é pecado!
*                                                                 Culpa: A pessoa se torna “justa” com a observância das leis que leva a uma consciência tranquila;
*                                                                 Valores. Não há uma hierarquia de valores;
*                                                                 Imutabilidade: Os valores são imutáveis;
*                                                                 Preferências: Há dois setores sistematicamente preferidos pelo Moralismo: o cultural e o sexual com a sua pesada culpa de consciência (prefeito de Minas Gerais: Outdoor imoral).
*                                                                 Fundamentação: É uma moral do temor e da sanção, do medo e do castigo (Deus castiga!). É uma moral estagnada e fechada;
*                                                                 Bíblia: No moralismo há uma cisão entre a Moral e a palavra viva de Deus[4].
        
                   N.B: O Moralismo não tem consistência interna capaz de resistir a uma lógica sadia!

ü    CONSIDERAÇÕES MAIS SIMPLES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE ETHOS, ÉTICA E MORAL (PRÁXIS CRISTÃ, v. I).

→ RELAÇÃO ENTRE ETHOS, ÉTICA, MORAL E  VIDA CRISTÃ:
            As relações entre as diversas esferas, já estudadas, são as seguintes:

a)           Ethos versus Ética: As funções da Ética em relação ao Ethos são:

Ø    Identificar nele (ethos) a sua riqueza constante, na vida de um povo, e auxiliar em sua verdadeira interpretação;

Ø    Exercer um serviço de discernimento sempre que nele existir contravalores, num trabalho de depuração desse substrato.

b)           Ethos  versus Étca  versus Moral: A Moral está ligada ao Ethos, mas necessita da Ética (depuradora: reflexão crítica) para que a Moral não caia nas malhas de interesses dominantes, sistemas dominadores e exploradores, fechados (Moralismo), incapazes de responder às novas situações da vida.

c)            Ética versus Moral: Há uma identidade semântica, sendo termos correlatos. A questão do Bem (bom) pode ser vista como:

Ø    Substantivos (Ética: caráter, prática; Moral: princípios e normas mais normativos e um tanto abstratos e duradouros): específico conhecimento (ou conjunto interdisciplinar de conhecimentos) que versa sobre o bom;

Ø    Adjetivos: (ético-moral): expressam uma qualidade (i-moral: interpretação qualitativa; a-moral: interpretação sócio-antropológica; permissivo: tolerância sócio-jurídica) ou dimensão da realidade quando essa se refere à responsabilidade das pessoas [5].

d)           Moral  versus  Vida cristã: Existe uma Moral cristã?

*                 É impossível extrair do Evangelho (Vide Moral Cristã, Vol. II, pp- 27-28) uma moral cristã sistemática, entendida como um conjunto de leis e preceitos que regulam de forma imediata as condutas humanas, pessoais e sociais de todos os tempos e idades. O Sermão da montanha e os textos citados, nos Evangelhos;

*                                descrevem a fé vivida, o que acontece quando o Reino de Deus atinge o coração humano, num mundo de morte e de pecado;

*                 Não há uma moral cristã, mas uma moral vivida pelos cristãos, em determinadas épocas;

*                 Sem dúvida, o apelo ético evangélico é radical, situando-se para além das morais constituídas e das regras, mas motiva e fundamenta o agir do cristão;

*                 A fé cristã exercerá sua moral crítica diante de alguns malefícios, perniciosos ao mundo e à pessoa humana (ateísmo que destrói a liberdade; o consumismo: dinheiro é ídolo; dominações violentas, absurdo existencial, falta de sentido para a vida, etc.);
*                  
A fé exige, valoriza, retifica e relativiza a moral que é a melhor preparação para a fé e é o lugar de fé vivida (Tg. 2,14-17).

            Por exemplo, o dever moral mais profundo, importante e específico de um chefe de família consiste em “manter equilibradas e ajustadas as telhas do seu teto: moral de subsistência que remete a uma moral econômica e política que, por sua vez, está ligada ao modelo de progresso vigente (socialista, capitalista).
            Veja o caso do Brasil, de Cuba!
            SÍNTESE:
§     ETHOS: costume primitivo sem reflexão! Austrália: etos primordial!
§     ÉTICA: Reflexão sobre o Etos: conjunto de normas e atitudes dinâmicas!
§     MORAL: conjunto de normas mais perenes, baseadas numa religião!


[1] AGOSTINI, N. Teologia Moral: O que você precisa viver e saber. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 36-38.
[2]  Idem. Ibidem...    p. 38-40.
[3] AA.VV. Moral cristã. v.1.  São Paulo: Paulinas, 1980, p. 52-57.
[4] AA.VV. Moral cristã. v. 1.   p. 25-41.
[5] VIDAL, M. Moral de Atitudes: Moral Fundamental. v. 1. Aparecida: Santuário, 1979, p. 18-19.

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