(Aguinaldo Rodrigues
Gomes1 e Sandra Nara da Silva Novais)
( Caderno Espaço Feminino - Uberlândia-MG -
v. 26, n. 2 - Jul/Dez. 2013 –
ISSN online 1981-3082)
Os relatos do século XVI e as
práticas sexuais indígenas muito embora a sexualidade indígena não tenha
despertado a atenção de grande parte dos historiadores é possível elencar uma
série de documentos que permitem a realização de estudos sobre o tema.
Nos relatos do século XVI, por exemplo, encontramos várias referências ao deslumbramento dos colonizadores europeus em relação à beleza das nativas. Parece que nem mesmo Pero Vaz de Caminha furtou-se a fazer menção às peculiaridades das mulheres indígenas. Assim o assinalou em sua carta ao rei de Portugal: “Suas vergonhas, tão altas e tão coradinhas e tão limpas das cabeleiras que nós, de muito bem as olharmos, não se envergonhavam.”
Adiante, diz o escrivão da armada: “E uma daquelas moças era toda tingida de baixo a cima, daquela tintura e certo era tão bem feita e tão redonda e sua vergonha tão graciosa que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhes tais feições, envergonhava, por não terem as suas como ela.”.
No que se refere aos indígenas brasileiros um dos primeiros a tratar desse tema tão espinhoso para maioria dos pesquisadores foi Gilberto Freire em sua obra Casa Grande e Senzala (1992).
Nela o autor enfatiza o encontro do europeu com as indígenas pelo viés do intercurso sexual: O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase intoxicação sexual.
O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne.
Muitos clérigos deixaram-se contaminar pela devassidão. As mulheres eram as primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses.
Davam-se ao europeu por um pente ou um caco de espelho. Las mujeres andan desnudas y no saben negar a ninguno mas aun ellas mismas importunan los hombres hallandose con ellos en las redes; porque tienen por honra dormir con los Xianos", escrevia o Padre Anchieta.
E isto de um Brasil já um tanto policiado; e não o dos primeiros tempos, de solta libertinagem, sem batinas de jesuítas para abafarem-lhe a espontaneidade.
Ainda que se faça necessário certo cuidado em relação à afirmação feita por Freire podemos observar que este descreve primeiro a atração dos europeus pelas mulheres indígenas e mostra que essa atração era mutua, pois segundo ele, as indígenas entregavam-se a eles por considerá-los deuses.
Da sensualidade das nativas não escaparam nem mesmo os clérigos, muitos se entregaram aos seus desejos ora abandonando a batina ora vivendo divididos entre o amor a Deus e os prazeres da carne.
O autor dedica uma boa parte de seu capítulo intitulado: O Indígena na formação da família brasileira: a condição das mulheres indígenas em que a enalteceu como a base física e cultural da família brasileira.
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Ø CORTESÃO,
Jaime. A carta de Pero Vaz de Caminha. Lisboa: Portugália, 1967, 221 p.147).
Disponível em: http://nonio.eses.pt/brasil/. Acesso em 03 de fevereiro de 2013.
Ø Freyre, Gilberto. “o indígena na formação da
família brasileira In: ___. Casa Grande & Senzala. 28 ed. Rio de janeiro:
Record, 1992, p. 92.
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1981-3082.
A mulher gentia temos que
considerá-la não só a base física da família brasileira, aquela em que se
apoiou, robustecendo-se e multiplicando-se, a energia de reduzido número de
povoadores europeus, mas valioso elemento de cultura, pelo menos material, na
formação brasileira.
Por seu intermédio enriqueceu-se a vida no Brasil, como adiante veremos, de uma série de alimentos ainda hoje em uso, de drogas e remédios caseiros, de tradições ligadas ao desenvolvimento da criança, de um conjunto de utensílios de cozinha, de processos de higiene tropical - inclusive o banho frequente ou pelo menos diário, que tanto deve ter escandalizado o europeu porcalhão do século XVI.
É interessante notar que Gilberto Freire, de certa forma, foi o responsável por inaugurar os estudos de gênero no Brasil. Já que em várias outras passagens o autor enaltece tanto a contribuição das mulheres negras quanto das mulheres indígenas no processo de assentamento de colonizadores e nativos nas terras brasileiras.
Citando Gabriel Soares e Jean Léry, Freire afirma que as mulheres trabalham muito mais que os homens, evidenciando a importância da mão de obra feminina no processo da colonização brasileira:
O cronista salienta como trabalho exclusivo das mulheres as redes de fio de algodão e as "fitas como passamanes, e algumas mais largas, com que enrolam os cabelos".
E pormenoriza: "As mulheres já de idade teem cuidado de fazerem a farinha de que se mantêm, e de trazerem a mandioca às costas para casa; e as que são muito velhas têm cuidado de fazerem vasilhas de barro à mão como são os potes em que fazem os vinhos, e fazem alguns tamanhos que levam tanto como uma pipa, em os quaes e em outros menores fervem os vinhos que bebem: fazem mais estas velhas panellas, pucaros e alguidares a seu uso, em que cozem a farinha, e outros em que a deitam e em que comem, lavrados de tintas de cores; a qual louça cozem em uma cova que fazem no chão, e põem a lenha por cima; e tem e creem estas índias que se cozer esta louça outra pessoa que não seja a que a faz, que ha de arrebentar no fogo; as quaes velhas ajudam também a fazer farinha que se faz no seu lanço”
Em outro trecho destaca: “o quão importante era o trabalho das mulheres indígenas sejam elas jovens ou velhas no processo de plantio dos alimentos e na educação das crianças: Eram ainda as mulheres que plantavam o mantimento e que iam buscar a água à fonte; que preparavam a comida; que cuidavam dos meninos”.
Vê-se que não era pequena a importância da mulher velha entre os indígenas; enorme a da mulher, em geral; e nessa categoria o estudo comparado da arte e da indústria entre os primitivos autoriza-nos a colocar o homem efeminado ou mesmo o invertido sexual, comum entre várias tribos brasílicas.
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Nessa mesma passagem observa-se que
o autor inclui entre os responsáveis, sobretudo pelo trabalho “domestico” ou
mesmo manual, a figura do efeminado, que participava normalmente das tarefas
femininas, e em algumas etnias se recolhiam junto com as mulheres nos períodos
de menstruação a exemplo dos índios kadiweu
que apresentaremos mais adiante.
Freire além de iniciar os estudos de gênero no Brasil, realizou ainda algo mais importante, pois, embora não tivesse conhecimento dessa categoria, acabou por utilizá-la, e de forma relacional, a exemplo dos pesquisadores contemporâneos, incluindo ali também o homem e o homossexual.
Ao se referir ao homossexual utilizou-se das primeiras impressões dos cronistas do século XVI para revelar a visão dos europeus sobre os indígenas efeminados: “Quanto aos pajés, é provável que fossem daquele tipo de homens efeminados ou invertidos que a maior parte dos indígenas da América antes respeitavam e temiam do que desprezavam ou abominavam.[...] Uns, efeminados pela idade avançada, que tendem a masculinizar certas mulheres e a efeminar certos homens; outros, talvez, por perversão congênita ou adquirida”.
A verdade é que para as mãos de indivíduos bissexuais ou bissexualizados pela idade resvalavam em geral os poderes e funções de místicos, de curandeiros, pajés, conselheiros, entre várias tribos americanas.
Freire destaca que entre os indígenas brasileiros a bissexualidade poderia ser comum entre eles e chama a atenção, ainda, para o fato de que os homossexuais, comumente não eram hostilizados pelos membros do grupo, pelo contrário, eram tratados como indivíduos virtuosos e extraordinários.
A própria couvade (o marido ficar de resguardo), complexo de cultura tão característico das tribos brasílicas, talvez possa alguém arriscar-se a interpretá-la pelo critério da bissexualidade.
Notados entre povos que em geral respeitam, em vez de desprezar ou ridicularizar os efeminados, e enxergam neles poderes ou virtudes extraordinárias, é possível que o costume da couvade se tenha originado desses diferenciados sexuais: indivíduos de forte influência e sugestão mística sobre a maioria.
Freire apresenta a ideia de alguns estudiosos do período segunda a qual poderia ser a couvade uma invenção dos indígenas efeminados já que eram responsáveis pelas práticas míticas e rituais no interior desses grupos.
Tal ideia fica clara nessa passagem: “Os efeminados, pelo seu prestígio através das práticas de magia sexual - atividade dominada por eles entre várias tribos - teriam sido os iniciadores da couvade - complexo de cultura em que são tantas as evidências do mecanismo de compensação de que se serve o invertido: o repouso, o resguardo, a dieta, a identificação do homem com a mulher.
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Porque em geral eram os dois que
ficavam de resguardo e de dieta, e não o homem só, como de ordinário se pensa.
Novamente utilizando-se dos cronistas do Brasil colonial, Freire mostra que o
intercurso sexual entre indivíduos do mesmo sexo entre as sociedades indígenas
da América era algo comum.
Diversas dessas sociedades indígenas tinham sociedades secretas destinadas a realização dos rituais de iniciação que incluíam a relação sexual entre indivíduos do mesmo sexo.
Sendo essas mais comuns entre os do sexo masculino, mas não sendo uma exclusividade deles. As sociedades secretas de homens, possível expressão, ou antes, afirmação - na fase sexual e social de cultura atravessada por muitas das tribos ameríndias ao verificar-se a descoberta do continente - do prestígio do macho contra o da fêmea, do regime patronímico contra o matronímico, talvez fossem melhor estímulo que a vida de guerra à prática da pederastia.
O certo é que nos bailos - espécie de lojas de maçonaria indígena só franqueadas aos homens depois de severas provas de iniciação - pôde surpreender Von Den Steinen, entre os Bororo, os mancebos em livre intercurso sexual uns com os outros; isto sem ar de pecado, mas naturalmente.
Citado por Freire o viajante Gabriel Soares descreve transtornado, em sua visão europeia, a prática do ato injustificado, da homossexualidade entre os Tupinambás. Já no século XVI Gabriel Soares se horrorizara de ver os Tupinambás "mui affeiçoados ao peccado nefando, entre os quaes se não tem por affronta; e o que serve de macho, se tem por valente, e contam esta bestialidade por proeza; e nas suas aldeias pelo certo ha alguns que teem tenda publica a quantos os querem como mulheres publicas". (...).
É impossível apurar até que ponto a homomixia ocorresse na América primitiva por perversão congênita; a verdade é que entre os ameríndios se praticava a pederastia sem ser por escassez ou privação de mulher. Quando muito pela influência social da segregação ou do internato dos mancebos nas casas secretas dos homens.
Entre os Tupinambás que ocupavam a maior parte da costa brasileira, os índios efeminados eram chamados de tibira, e as mulheres com preferências sexuais por mulheres eram as çacoaimbeguira.
Tais práticas sexuais assim foram descritas no Tratado Descritivo do Brasil em 1587: “São os Tupinambás tão luxuriosos que não há pecado de luxúria que não cometam; os quais sendo de muito pouca idade têm conta com mulheres, e bem mulheres; porque as velhas, já desestimadas dos que são homens, granjeiam estes meninos, fazendo-lhes mimos e regalos, e ensinam-lhes a fazer o que eles não sabem, e não os deixam de dia e nem de noite.
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E em conversação não sabem falar senão nestas sujidades, que cometem cada hora; os quais são tão amigos da carne que se não contentam, para seguirem seus apetites, com o membro genital como a natureza formou; mas há muitos que lhe costumam pôr o pelo de um bicho tão peçonhento, que lhe faz logo inchar, com o que têm grandes dores, mais de seis meses, que se lhe vão gastando por espaço de tempo; com o que lhe faz o seu cano tão disforme de grosso que os não podem as mulheres esperar, nem sofrer.
Darcy Ribeiro foi outro antropólogo que se referiu aos cudinhos ou Kudinas Kadiweus com os quais viveu á época de sua participação nas expedições de Rodon Pacheco.
Segundo ele: Há documentos já do século passado sobre a existência de homossexualismo entre tribos do Brasil. Inclusive entre os kadivéu que eu estudei. Eles chamam o homossexual de kudina. O kudina é um homem mulher, ou um homem que decidiu ser mulher.
Ele se veste como mulher, pinta o corpo como uma mulher - e menstrua. Darcy Ribeiro esclarece ainda que entre os índios, a mulher menstruada - flechada pela lua, na linguagem deles - está em estado de impureza, pelo que é intocável e perigosa. Então, para maior segurança dos homens, ela se retira para um ranchinho isolado durante a menstruação.
O ranchinho vira um ninho de fofocas, e por isso os kudinas resolvem menstruar também e ficam uns dias lá, numa boa, fofocando o dia inteiro. É preciso ressaltar que nos relatos de Darcy Ribeiro o kudina é uma figura absolutamente aceita, respeitada e integrada no grupo.
Suas práticas sexuais significam apenas uma das possibilidades de condução humana que esse grupo étnico incorporou e até institucionalizou. O autor atribui a boa aceitação dos Kudinas à liberdade existente entre os Kadiweu para expressar o afeto que sentem uns pelos outros sejam esses homens ou mulheres.
De acordo com ele, os índios se mostram muito livres em suas manifestações de afeto. Faz ainda uma comparação com nossas tradições de sociabilidade, e nesse sentido temos muito a aprender com as sociedades indígenas: “Entre nós, um homem mal pode apertar a mão de outro, mulher a gente deve abraçar de leve. Os índios vivem agarrados uns com os outros. Curtem se tocar e conversar bem juntinho. Inclusive os homens”. Mal eu chegava numa aldeia, eles logo me cercavam e vinham se encostando. Uma amiga achou os índios uns desmunhecados porque não paravam de se encostar no marido dela.
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Ø SOUZA,
Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil. (1587). Belo Horizonte:
Itatiaia, 2001, p. 308.
Ø RIBEIRO,
DARCY. Lições de humanismo dos índios do Brasil. Disponível em:
http://eumatil.vilabol.uol.com.br/licoes.htm, consultado em 10/02/2012. 18
Idem.
Ø Caderno
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Em sua obra Diários
Índios: os Urubus-Kaapor (1996) Darcy Ribeiro se refere às duas expedições que
fez entre os anos de 1949 e 1951 onde percorreu o sertão maranhense com um
objetivo bem definido: resgatar, por intermédio dos herdeiros diretos dos
Tupinambás, parte da nossa identidade cultural.
Quando os encontrou assim os definiu: “Todos os homens usam calções e dentro deles estão nus, porque não põem mais o cordel que atava o prepúcio e metia o pau dentro do corpo. Homens e mulheres falam inteligentemente o português dos caboclos maranhense, mas entre eles só falam seu idioma tupi”.
No que se refere à vida sexual desses povos, o antropólogo nos revela que: “O tratamento recíproco de homens e mulheres é simétrico, embora sempre se portem com decoro nos gestos. Há mulheres que gostam especialmente de falar de sexo, comentando quem estaria trepando com quem, até as mulheres casadas. Não têm qualquer descrição nas palavras, falam de todos os assuntos com naturalidade, comentando a vida sexual de cada membro sem constrangimento (...)”.
Não parece haver qualquer perversão generalizada, mesmo a homossexualidade, ao que me disseram, é desconhecida. Chega a causar espanto quando é referida. Os casais são afetuosos, andam quase sempre juntos e, não raro, se acariciando – no cafuné e nas bolinas.
As conversas eróticas são comuns, delas participam pessoas de todos os sexos e idades. Devem agir como estimulantes, além de fumo, que os embriaga do modo como usam os charutos – aspirando fortemente e retendo a fumaça no peito - ,e das bebidas fermentadas que dão lugar a orgias.
O autor segue explicando que sobre a concepção do ato sexual, se puro, natural, doloroso ou perigoso não conseguiu pelas respostas obter muitas informações. No entanto, afirmou que percebeu um esforço por parte dos homens em advertir as mulheres que fazer sexo com os brancos pode ser algo perigoso. Como se observa nessa passagem dos Diários índios: “Mas há um nítido esforço dos homens para convencerem as mulheres de que as que têm relações com Karaíwas morrem em consequência disso.
Baseiam a suposição no fato de algumas terem morrido no parto de filhos gerados por brancos e em doenças venéreas apanhadas durante as andanças, que também têm causado dores e mortes.
Porém, as mulheres não parecem lá muito convencidas disso; contudo, devem temer. Os homens não têm nenhuma inibição para as trepadas. Suas expectativas é de que se a mulher se abrir, acolhedora, eles transarão.
Quando os encontrou assim os definiu: “Todos os homens usam calções e dentro deles estão nus, porque não põem mais o cordel que atava o prepúcio e metia o pau dentro do corpo. Homens e mulheres falam inteligentemente o português dos caboclos maranhense, mas entre eles só falam seu idioma tupi”.
No que se refere à vida sexual desses povos, o antropólogo nos revela que: “O tratamento recíproco de homens e mulheres é simétrico, embora sempre se portem com decoro nos gestos. Há mulheres que gostam especialmente de falar de sexo, comentando quem estaria trepando com quem, até as mulheres casadas. Não têm qualquer descrição nas palavras, falam de todos os assuntos com naturalidade, comentando a vida sexual de cada membro sem constrangimento (...)”.
Não parece haver qualquer perversão generalizada, mesmo a homossexualidade, ao que me disseram, é desconhecida. Chega a causar espanto quando é referida. Os casais são afetuosos, andam quase sempre juntos e, não raro, se acariciando – no cafuné e nas bolinas.
As conversas eróticas são comuns, delas participam pessoas de todos os sexos e idades. Devem agir como estimulantes, além de fumo, que os embriaga do modo como usam os charutos – aspirando fortemente e retendo a fumaça no peito - ,e das bebidas fermentadas que dão lugar a orgias.
O autor segue explicando que sobre a concepção do ato sexual, se puro, natural, doloroso ou perigoso não conseguiu pelas respostas obter muitas informações. No entanto, afirmou que percebeu um esforço por parte dos homens em advertir as mulheres que fazer sexo com os brancos pode ser algo perigoso. Como se observa nessa passagem dos Diários índios: “Mas há um nítido esforço dos homens para convencerem as mulheres de que as que têm relações com Karaíwas morrem em consequência disso.
Baseiam a suposição no fato de algumas terem morrido no parto de filhos gerados por brancos e em doenças venéreas apanhadas durante as andanças, que também têm causado dores e mortes.
Porém, as mulheres não parecem lá muito convencidas disso; contudo, devem temer. Os homens não têm nenhuma inibição para as trepadas. Suas expectativas é de que se a mulher se abrir, acolhedora, eles transarão.
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Ø RIBEIRO,
Darcy. Diários Índios: os Urubus-Kaapor: Companhia das Letras, 1996. 20 Ibidem,
p. 163. 21 Ibidem, p. 164.
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O autor destaca ainda
os motivos que levam as mulheres indígenas a se encantarem pelos homens brancos
e negros: “O característico erótico atribuído ao branco ou ao preto é o
avantajamento da genitália, que eles creem ser tão exagerada no homem como na
mulher”.
Essa visão surge do fato de que eles, não usando os amarrilhos que embutem o membro para dentro do corpo, os mostram ao natural, fazendo parecer maiores. Alguns índios são referidos como portadores de membros descomunais “como o dos brancos”.
São, por isso, desejados e temidos pelas mulheres. Entre esse grupo indígena era comum que ocorressem relações extraconjugais praticadas tanto pelos homens como pelas mulheres e, na maioria das vezes, elas não eram motivos de vergonha entre eles.
Darcy Ribeiro nos relata um interessante caso de relação extraconjugal: “A mulher de Corai-uhú, filho de Xapy, menina ainda, que aliás é sua prima cruzada, seria uma devassa. Não quer ter relações com o marido. Morde-o cada vez que tenta possuí-la. Faz um escândalo danado quando, à noite, ele procura passar para a rede dela; já que, para a dele, a menina não vai mesmo. Mas aí vem devassidão: tem relação é com Tomé, um rapaz da aldeia vizinha, sempre que pode, e gosta muito. Não quer saber é do marido. (...)”.
Preveem que Tomé morrerá em breve, porque, além dessa menina, ele tem relações com outras mulheres que citaram. E como uma delas poderá engravidar, ele morrerá por não cumprir os preceitos da couvade.
Para Darcy Ribeiro, as dificuldades em falar e saber um pouco mais sobre a vida sexual daqueles índios não estava nos índios, mais sim, na equipe que com ele estava e suas atitudes etnocêntricas que riam e debochavam do que viam, principalmente na presença das mulheres: “Comentam cada atitude dos índios que lhes parece estranha. Ainda ontem à noite, divertiram-se muito vendo dois rapazinhos índios que nos acompanhavam dormirem juntos na rede, meio abraçados. Para eles, homens só podem dormir de pés contra a cabeça um do outro e, mesmo assim, fazem coisa insuportável a seus olhos maledicentes”
Durante o tempo em que conviveu com os Kaapor, Darcy Ribeiro foi capaz de identificar práticas sexuais não aprovadas pelo grupo e que podem indicar relações sexuais entre mulheres.
Falou-se de casais jovens cujas mulheres são comentadas por todos. São dois irmãos, filhos de Xapy, casados com duas irmãs; os quatro andam sempre juntos, principalmente as duas meninas, que são inseparáveis e parecem divertir-se muito uma com a outra, pois não param de comer, abraçar-se, rir e mais rir.
Essa visão surge do fato de que eles, não usando os amarrilhos que embutem o membro para dentro do corpo, os mostram ao natural, fazendo parecer maiores. Alguns índios são referidos como portadores de membros descomunais “como o dos brancos”.
São, por isso, desejados e temidos pelas mulheres. Entre esse grupo indígena era comum que ocorressem relações extraconjugais praticadas tanto pelos homens como pelas mulheres e, na maioria das vezes, elas não eram motivos de vergonha entre eles.
Darcy Ribeiro nos relata um interessante caso de relação extraconjugal: “A mulher de Corai-uhú, filho de Xapy, menina ainda, que aliás é sua prima cruzada, seria uma devassa. Não quer ter relações com o marido. Morde-o cada vez que tenta possuí-la. Faz um escândalo danado quando, à noite, ele procura passar para a rede dela; já que, para a dele, a menina não vai mesmo. Mas aí vem devassidão: tem relação é com Tomé, um rapaz da aldeia vizinha, sempre que pode, e gosta muito. Não quer saber é do marido. (...)”.
Preveem que Tomé morrerá em breve, porque, além dessa menina, ele tem relações com outras mulheres que citaram. E como uma delas poderá engravidar, ele morrerá por não cumprir os preceitos da couvade.
Para Darcy Ribeiro, as dificuldades em falar e saber um pouco mais sobre a vida sexual daqueles índios não estava nos índios, mais sim, na equipe que com ele estava e suas atitudes etnocêntricas que riam e debochavam do que viam, principalmente na presença das mulheres: “Comentam cada atitude dos índios que lhes parece estranha. Ainda ontem à noite, divertiram-se muito vendo dois rapazinhos índios que nos acompanhavam dormirem juntos na rede, meio abraçados. Para eles, homens só podem dormir de pés contra a cabeça um do outro e, mesmo assim, fazem coisa insuportável a seus olhos maledicentes”
Durante o tempo em que conviveu com os Kaapor, Darcy Ribeiro foi capaz de identificar práticas sexuais não aprovadas pelo grupo e que podem indicar relações sexuais entre mulheres.
Falou-se de casais jovens cujas mulheres são comentadas por todos. São dois irmãos, filhos de Xapy, casados com duas irmãs; os quatro andam sempre juntos, principalmente as duas meninas, que são inseparáveis e parecem divertir-se muito uma com a outra, pois não param de comer, abraçar-se, rir e mais rir.
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A respeito das
práticas sexuais entre mulheres indígenas, a historiadora Tânia Navarro Swain,
aponta cronistas do Brasil colonial que descreveram tal prática. No XVI o
cronista Gandavo, aborda o homossexualismo entre mulheres afirmando que: “Algumas
Indias ha que tambem entre elles determinam de ser castas, as quaes nam
conhecem homem algum de nenhuma qualidade, nem o consentirão ainda que por isso
as matem. Estas deixam todo o exercicio de mulheres e imitam os homens e seguem
seus officios, como senam fossem femeas. Trazem os cabellos cortados da mesma
maneira que os machos, e vão à guerra com seus arcos e flechas, e à caça
perseverando sempre na companhia dos homens, e cada uma tem mulher que a serve,
com quem diz que he casada, e assi se comunicam e conversam como marido e
mulher”.
Em outro trecho Swain cita Gabriel Soares de Souza: “[...] são muito temidos pelos amoipiras, com os quais tem guerra por uma banda e pela outra, com umas mulheres que dizem ter uma só teta, que pelejam com arco e flecha, e se governam e regem sem maridos, como se diz das amazonas; dos quais não podemos alcançar mais informações, nem da vida e costumes destas mulheres”.
E de Thévet, narrando o encontro dos espanhóis com tais guerreiras, destacou: “[...] nossos peregrinos não haviam parado senão o necessário para se repousar e buscar alguns víveres, porque estas mulheres tão admiradas de vê-los com aquele equipamento que lhes era tão estranho reuniram-se logo de 10 a 12 mil em menos de três horas, meninas e mulheres nuas, mas com arco e flecha na mão, gritando como se tivessem visto seus próprios inimigos [...] ao que não quiseram resistir e em seguida se retiraram com sua honra preservada”.
A ação da Igreja e interdição das práticas sexuais na colônia, como se observa, fez com que a ênfase fosse dada aos aspectos econômicos e políticos nos estudos históricos, acabando por criar um silêncio na historiografia em relação ao tema da sexualidade dos nativos no processo de formação da identidade brasileira.
Esse fato criou, ainda, uma falsa ideia sobre as práticas eróticas das sociedades indígenas que ocultou uma série hábitos sexuais comuns entre as populações das Américas espanhola e portuguesa.
Em outro trecho Swain cita Gabriel Soares de Souza: “[...] são muito temidos pelos amoipiras, com os quais tem guerra por uma banda e pela outra, com umas mulheres que dizem ter uma só teta, que pelejam com arco e flecha, e se governam e regem sem maridos, como se diz das amazonas; dos quais não podemos alcançar mais informações, nem da vida e costumes destas mulheres”.
E de Thévet, narrando o encontro dos espanhóis com tais guerreiras, destacou: “[...] nossos peregrinos não haviam parado senão o necessário para se repousar e buscar alguns víveres, porque estas mulheres tão admiradas de vê-los com aquele equipamento que lhes era tão estranho reuniram-se logo de 10 a 12 mil em menos de três horas, meninas e mulheres nuas, mas com arco e flecha na mão, gritando como se tivessem visto seus próprios inimigos [...] ao que não quiseram resistir e em seguida se retiraram com sua honra preservada”.
A ação da Igreja e interdição das práticas sexuais na colônia, como se observa, fez com que a ênfase fosse dada aos aspectos econômicos e políticos nos estudos históricos, acabando por criar um silêncio na historiografia em relação ao tema da sexualidade dos nativos no processo de formação da identidade brasileira.
Esse fato criou, ainda, uma falsa ideia sobre as práticas eróticas das sociedades indígenas que ocultou uma série hábitos sexuais comuns entre as populações das Américas espanhola e portuguesa.
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Ø GANDAVO,
Pero Magalhães. História da Província de Santa Cruz. Tratado da terra do
Brasil. São Paulo: Obelisco, 1964, p. 141. Apud: SOUZA, Gabriel Soares. Op.
cit., p. 337.
Ø THEVET
André. Les singularités de la France Antartique- le Brésil des cannibales au
XVIème siècle. Paris: La Découverte, 1983, p. 167/168. Apud SWAIN, Tânia
Navarro. Amazonas brasileiras? Os discursos do possível e do impossível.
Disponível em www.intervencoesfeministas.mpbnet.com.br/.../taniamazonasbahia.pdf,
consultado em 17/02/2013.
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A vertente
jesuítica/positivista da história indígena, além de tratar o processo de
colonização numa visão binária de vencedores e vencidos, do ponto de vista do
gênero, transmitiu uma errônea noção de heteronormatividade entre as etnias
indígenas.
Os jesuítas, aliados do Estado, tiveram como principal a função de domesticar os corpos e apetites sexuais dos ameríndios, como aponta Vainfas: “Um dos aspectos que mais chamou a atenção dos jesuítas no século XVI foi, sem duvida, a relação que mantinha o índio com o próprio corpo: o canibalismo, a luxúria e a nudez”.
Os dois últimos traços apareceram certamente ligados nas queixas e vitupérios inacianos contra os costumes do que chamavam gentio, havendo mesmo uma tendência a considerar-se a nudez de índios e índias a principal causa de tantos pecados que grassavam na colônia nascente.
Pe. Manoel da Nóbrega tudo fez para vesti-los tão logo chegou à Bahia, desde dar-lhes a roupa sobressalente dos padres até obrigá-los a fiar seus próprios vestidos de algodão. Julgava indispensável cobrir o corpo dos nativos, inconsolável por vê-los nus nos ofícios divinos e revoltado com a excitação que as índias causavam nos portugueses.
Vainfas esclarece que os membros do clero em terras americanas tentaram a todo custo instituir aqui os preceitos e normas da cristandade romana no que se refere à moral sexual por meio de instituições como o casamento.
É certo que, de todo modo, os agentes eclesiásticos da colonização tentaram, por todos os meios a seu alcance, transformar o Brasil numa parte legítima da cristandade romana, o que implicava, entre outras coisas, difundir o modelo matrimonial cristão: uniões sacramentadas, família conjugal, continência e austeridade.
Tentaram-no com os índios, depois com os africanos; tentaram-no desde sempre com os reinóis que aqui chegavam em busca de aventuras. Viram-se frustrados, no entanto, pelos interesses mercantis da colonização, pelo escravismo, pelo hibridismo cultural que a colônia brasílica possuía por vocação.
Embora tenha ocorrido por parte dos colonizadores e, sobretudo, da Igreja a coibição de tais práticas sexuais na colônia, a situação se transformaria substancialmente no final do século XVI com a chegada do Santo Oficio que considerou seus atos abomináveis: “Por crime de sodomia aparecem, no fim do século XVI, perante o visitador do Santo Ofício, vários indígenas e mamelucos: homens ainda mal cristianizados, católicos ainda meio crus”.
A Igreja fulminou neles como pecado dos mais profundos – um dos quatro clamanta peccata (pecados que clamam aos céus: pecados abomináveis) da Teologia da Idade Média – o que para a moral sexual desses primitivos – dos selvagens que o Padre Cardim, ouvindo em confissão achara tão cândidos – seria quando muito um pecadilho.
Os jesuítas, aliados do Estado, tiveram como principal a função de domesticar os corpos e apetites sexuais dos ameríndios, como aponta Vainfas: “Um dos aspectos que mais chamou a atenção dos jesuítas no século XVI foi, sem duvida, a relação que mantinha o índio com o próprio corpo: o canibalismo, a luxúria e a nudez”.
Os dois últimos traços apareceram certamente ligados nas queixas e vitupérios inacianos contra os costumes do que chamavam gentio, havendo mesmo uma tendência a considerar-se a nudez de índios e índias a principal causa de tantos pecados que grassavam na colônia nascente.
Pe. Manoel da Nóbrega tudo fez para vesti-los tão logo chegou à Bahia, desde dar-lhes a roupa sobressalente dos padres até obrigá-los a fiar seus próprios vestidos de algodão. Julgava indispensável cobrir o corpo dos nativos, inconsolável por vê-los nus nos ofícios divinos e revoltado com a excitação que as índias causavam nos portugueses.
Vainfas esclarece que os membros do clero em terras americanas tentaram a todo custo instituir aqui os preceitos e normas da cristandade romana no que se refere à moral sexual por meio de instituições como o casamento.
É certo que, de todo modo, os agentes eclesiásticos da colonização tentaram, por todos os meios a seu alcance, transformar o Brasil numa parte legítima da cristandade romana, o que implicava, entre outras coisas, difundir o modelo matrimonial cristão: uniões sacramentadas, família conjugal, continência e austeridade.
Tentaram-no com os índios, depois com os africanos; tentaram-no desde sempre com os reinóis que aqui chegavam em busca de aventuras. Viram-se frustrados, no entanto, pelos interesses mercantis da colonização, pelo escravismo, pelo hibridismo cultural que a colônia brasílica possuía por vocação.
Embora tenha ocorrido por parte dos colonizadores e, sobretudo, da Igreja a coibição de tais práticas sexuais na colônia, a situação se transformaria substancialmente no final do século XVI com a chegada do Santo Oficio que considerou seus atos abomináveis: “Por crime de sodomia aparecem, no fim do século XVI, perante o visitador do Santo Ofício, vários indígenas e mamelucos: homens ainda mal cristianizados, católicos ainda meio crus”.
A Igreja fulminou neles como pecado dos mais profundos – um dos quatro clamanta peccata (pecados que clamam aos céus: pecados abomináveis) da Teologia da Idade Média – o que para a moral sexual desses primitivos – dos selvagens que o Padre Cardim, ouvindo em confissão achara tão cândidos – seria quando muito um pecadilho.
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Ø VAINFAS,
Ronaldo. Moralidades Brasílicas: deleites sexuais e linguagem erótica na
sociedade escravista. In: MELLO E SOUZA, Laura de (org.). História da Vida
Privada no Brasil - Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999, p. 262.
Ø Caderno
Espaço Feminino - Uberlândia-MG - v. 26, n. 2 - Jul/Dez. 2013 – ISSN online
1981-3082.
___________________________________
Parece, entretanto,
que a mentalidade portuguesa cedo identificou os indígenas com a prática da
pederastia; prática para os cristãos tão abominável. A denominação de bugres dada pelos portugueses aos
indígenas do Brasil, em geral, e a uma tribo de São Paulo, em particular,
talvez exprimisse o horror teológico de cristãos mal saídos da Idade Média ao
pecado nefando, por eles associado sempre ao grande, ao máximo, de
incredulidade ou heresia.
O processo de conversão em terras americanas enfrentou vários percalços e, não raramente, os catequizadores foram estimulados a utilizar a violência na conversão do gentio. “Parece-nos agora que estão as portas abertas nesta capitania para a conversão dos gentios, se Deus Nosso Senhor quiser dar maneira com que sejam postos debaixo de jugo, porque para este gênero de gente não há melhor pregação do que espada e vara de ferro, na qual mais do que nenhuma outra é necessário que se cumpra o compelle (forçar) e o intrare (entrar)”.
A partir do discurso de Pe. Anchieta, percebemos o esforço dos jesuítas em transformar as práticas culturais sexuais entre os povos gentílicos. A partir da chegada dos religiosos, inicia-se a coibição à nudez e aos atos considerados libidinosos tais como a poligamia e a sodomia. Assim, observa-se que as ideologias da cristandade branca europeia, com o auxílio da cruz e da espada se impuseram sobre os ameríndios, penetrando, inclusive, no campo da sexualidade, instituindo entre eles a moral e os costumes dos brancos colonizadores no âmbito das práticas sexuais.
Buscaram a todo custo introduzir a tradição da monogamia e a heteronormatividade como padrão. No entanto, embora, tal empreitada parecesse ter sido totalmente eficaz no interior dessas sociedades indígenas, elas continuavam sub-repticiamente presentes nas ações destes povos.
Pois como advertiu Michel Foucault: “toda norma, aparentemente hegemônica ao longo da história foi e será, ainda hoje, minada pelos micropoderes e micro resistências das práticas cotidianas”.
O processo de conversão em terras americanas enfrentou vários percalços e, não raramente, os catequizadores foram estimulados a utilizar a violência na conversão do gentio. “Parece-nos agora que estão as portas abertas nesta capitania para a conversão dos gentios, se Deus Nosso Senhor quiser dar maneira com que sejam postos debaixo de jugo, porque para este gênero de gente não há melhor pregação do que espada e vara de ferro, na qual mais do que nenhuma outra é necessário que se cumpra o compelle (forçar) e o intrare (entrar)”.
A partir do discurso de Pe. Anchieta, percebemos o esforço dos jesuítas em transformar as práticas culturais sexuais entre os povos gentílicos. A partir da chegada dos religiosos, inicia-se a coibição à nudez e aos atos considerados libidinosos tais como a poligamia e a sodomia. Assim, observa-se que as ideologias da cristandade branca europeia, com o auxílio da cruz e da espada se impuseram sobre os ameríndios, penetrando, inclusive, no campo da sexualidade, instituindo entre eles a moral e os costumes dos brancos colonizadores no âmbito das práticas sexuais.
Buscaram a todo custo introduzir a tradição da monogamia e a heteronormatividade como padrão. No entanto, embora, tal empreitada parecesse ter sido totalmente eficaz no interior dessas sociedades indígenas, elas continuavam sub-repticiamente presentes nas ações destes povos.
Pois como advertiu Michel Foucault: “toda norma, aparentemente hegemônica ao longo da história foi e será, ainda hoje, minada pelos micropoderes e micro resistências das práticas cotidianas”.
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