terça-feira, 5 de julho de 2016

ÉTICA NO CANDOMBLÉ

(Este texto foi retirado da página Religiões de Matriz Africana, no Facebook)


Moral e Ética dentro do Candomblé sempre foram temas muito abordados em toda a história das sociedades humanas e, dentro desse contexto, a religião entra como uma importante peça desse quebra-cabeças, atuando diretamente na formação do caráter de seus adeptos.

Todas as religiões do mundo têm, no rol de suas crenças e costumes, valores de conduta e caráter, que determinam como cada um de seus seguidores devem agir e se comportar enquanto no mundo viverem.

Os dez mandamentos do judaísmo exemplificam bem essa ideia.

O Candomblé, religião brasileira de matriz africana, como não poderia deixar de ser, tem seus costumes e tradições que visam formar um bom caráter e uma conduta correta entre seus praticantes.

Contudo, por se tratar de uma religião oral – seus preceitos são passados dos mais velhos para os mais novos através da fala – muitos desses valores de caráter e bons costumes foram esquecidos ou deixados para trás.

A importância outrora dada à comunidade, à família, ao respeito aos ancestrais e à boa conduta foi, aos poucos, sendo abandonada. Esse abandono da tradição yòrubá vem gerando enormes problemas e constrangimentos de cunho moral para o povo do Candomblé.

A consequência desse esquecimento dos costumes e das tradições é a fixação da ideia de que o Candomblé é terra sem lei, onde tudo pode ser feito, sem punição alguma.

Na verdade, essa posição serve apenas para ocultar e justificar a canalhice que alguns praticam no dia a dia, como se pouca vergonha na cara e falta de caráter fossem elementos da religião à qual dizem pertencer.

Esqueceram-se da importância de honrar nossos ancestrais e de que nós – iniciados – somos representantes vivos de Òrísà na terra e, como tal, devemos ter um comportamento exemplar.

Além do mais, quero frisar que tudo que aqui é feito, será lembrado após a morte. Tudo de bom e ruim que foi praticado será usado para definir que tipo de vida tivemos na terra, e se somos dignos de reencontrar nossos ancestrais.

Aqui, é importante ressaltar o peso dos sacerdotes máximos de um Ilé Asè (Bàbálòrísà/Ìyálòrísà) na formação do caráter de seus filhos – Ìyáwo, Ekedji, Ogán etc.

Cabe ao pai educar seus descendentes, e isso é verdade desde tempos imemoriais. O pai que não educa seu filho corre o risco de perdê-lo para o mundo – como diz aquele ditado: quem não sabe ser pai, como será seu filho?

A responsabilidade é enorme, pois se trata, além da formação do caráter de uma pessoa ou da sua remodelação, da atuação social de uma religião. A verdade é que o Candomblé é mal visto por toda sociedade. Grande parte de seus adeptos são os piores exemplos possíveis para a estruturação de um bom caráter: bebem e fumam exageradamente, são fofoqueiros, maldosos, comportam-se como verdadeiros travestis dentro do Ilé Asè e quando não fazem coisa pior – uma vergonha!

É, pois, premente, que algo seja feito no sentido incutir em nosso meio religioso, uma conduta mais limpa e austera entre nossos irmãos. Asè o!

O DINHEIRO COMPRA TUDO?
(Publicado em, 13 de Novembro de 2012 no site do Axé Oxumaré)

Quando começamos a escrever sobre a Ética e a Moral no Candomblé, o tema “O Dinheiro Compra Tudo?” foi um dos primeiros a ser pensado. É, também, uma das sugestões mais encaminhadas para abordarmos como postagem.

Em verdade, as pessoas que nos sugeriram nesse artigo, em sua maioria, mencionaram exemplos que, nitidamente, estão na contra mão do Sacerdócio Ético. São ações que são repudiadas pela maioria, criticadas pela maioria.

No entanto, a mesma maioria ignora os seus princípios éticos e, principalmente os princípios religiosos, caso recebam uma oferta tentadora para comungarem e balizarem essas ações.

Não podemos, por exemplo, ser coniventes com um Sacerdote/Sacerdotisa que confere a obrigação de sete anos para uma pessoa que ainda não completou essa idade. Um Sacerdote Sério, Ético e de Postura, jamais poderá realizar essa obrigação sem que a pessoa tenha completado essa idade.

Àqueles que o fazem, estão ferindo os dogmas do Candomblé e, principalmente, contribuindo para a degradação e banalização da religião. É igualmente lamentável, que em razão do dinheiro, Sacerdotes implementem rituais em casas/Asè que não os comportem. A Religião dos Òrìsàs é rica em tradições e costumes, entretanto, não são todos os rituais que podem ser realizados em todas as casas. Isso não é preconceito ou segregação religiosa, isso é tradição. Vejamos:…

Quantas Casas de Candomblé, em Salvador, possuem uma estrutura sólida e fundamentada nas tradições seculares de suas famílias, mas que, por exemplo, não realizam o ritual do Pilão de Osogiyan (os adeptos dançam como se estivessem pilando) ou a Procissão do Ade Bayanni? Isso não é falta de conhecimento, isso é Ética acerca das tradições religiosas daquela casa/família.

Muitas dessas casas não realizam alguns determinados rituais simplesmente por suas casas não comportarem. Quando afirmamos isso, não estamos nos referindo à estrutura física da casa ou conhecimento religioso, mas sim à estrutura religiosa da casa não comportar determinado ritual.

Por vezes, as Divindades que regem aquele determinado terreiro, não possuem qualquer tipo de ligação com o ritual “A” ou “B” e, por isso, esses rituais não são implementados. Mas muitas pessoas não satisfeitas buscam alguém que, por dinheiro, implemente um ritual que em nada tem haver com o seu Òrìsà/casa ou tradição.

Muitos podem pensar, mas os Terreiros tradicionais são repletos de rituais, porque as demais casas também não podem ter todos? Sobre isso, em primeiro lugar, reafirmamos o já dito acima.

Em segundo, é importante refletir que os Terreiros mais Tradicionais, as chamadas Casas Matrizes já passaram por diversas gestões, com Sacerdotes de diversas Divindades. O que isso explica?

Imaginemos uma casa que foi fundada há duzentos anos por uma pessoa de Bayanni. À época do fundador/fundadora, essa casa programou diversos rituais específicos desse Òrìsà, sendo ele o patrono da casa.

Com a morte do fundador/fundadora, assume alguém, por exemplo, de Osogiyan. Essa nova Sacerdotisa, além de manter com afinco todas as tradições do antecessor/antecessora (específicos para Bayanni), programa rituais específicos para Òsògíyan, como, por exemplo, a Festa do Pilão.

Com a morte dessa Ìyálòrìsà/Babalòrìsà, assume a terceira gestão, desta vez de Òsóòsì. Essa Sacerdotisa, além de preservar os rituais de Bayanni (fundador), mais os rituais de Osogiyan (2ª gestão), implementa rituais específicos do Deus da Caça.

Assim ocorre sucessivamente, ou seja, o Sacerdote mantém os rituais dos seus antecessores e, eventualmente, implementando algum ritual específico do Deus que rege sua cabeça.

Há, ainda, lindos rituais que são específicos de uma determinada casa ou Asè, que jamais poderão ser implantados em outro Terreiro. Dessa forma, um Sacerdote que implementa um ritual inapropriado para uma casa, somente em razão do dinheiro que irá receber, está ferindo gravemente a ética do Candomblé.

Nem tudo que é bonito na casa de um amigo poder ser aplicado em nossa casa.         Isso é algo que as pessoas devem ter em mente e, um Sacerdote sério, não pode se vender em detrimento da cultura, da tradição e da memória dos nossos ancestrais. O dinheiro não compra tudo!

Que Òsùmàrè Arákà esteja sempre olhando e abençoando todos!!! Ilé Òsùmàrè Aràká Asè Ògòdó!


ÉTICA E MORAL NO CANDOMBLÉ
(Por Jerry em 17/3/2009).

Há quem diga que o candomblé é uma religião antiética, ou seja, que vai ao encontro da ética estabelecida, qualquer que seja ela. Outros dizem que o candomblé é uma religião aética, ou seja, que não traz em si nenhum código de conduta a respeito do que é certo ou errado. Bobagem!

A tradição oral do candomblé, repassada pelos versos de Ifá, o adivinho, pode ser condensada em 16 odus, ou caminhos, a ser seguidos por todo aquele que cultua orixás. Ei-los:

Ifá nos aconselha:
1º - ÒKÀNRÀN: Não fazer mal a ninguém.
2º - ÉJÌ ÒkÒ: Não sentir ódio nem destratar o outro.
3º - ETÁ ÒGÚNDÁ: Não guardar sentimentos de vingança.
4º - ÌRÒSÙN: Não fazer armadilhas nem caluniar.
5º – ÒSÉ: Não invejar nada nem ninguém.
6º - ÒBÀRÀ: Não mentir.
7º - ÒDÍ: Não corromper nem se deixar corromper.
8º - ÈJÌ ONÍLÈ: Usar bem a cabeça neste mundo e respeitar os segredos alheios.
9º - ÒSÁ: Não ser falso com o próximo.
10º - ÒFÚN: Não roubar, não jurar em falso nem amaldiçoar.
11º - ÒWÓNRÍN: Não matar, não arruinar a vida de outros e ser grato ao bem que nos façam.
12º - ÈJÌLÁ SEBORÁ: Evitar os escândalos e as tragédias.
13º - ÈJÌ OLÓGBON: Respeitar os Ancestrais.
14º - ÌKÁ: Não espalhar doenças, a corrupção e a maldade sobre o mundo.
15º - ÒGBEGÚNDÁ: Respeitar aos mais velhos, as crianças, o pai e a mãe.
16º - ÀLÀÁFÍÀ: Ouvindo estes conselhos não sentirá vergonha no dia que tiver que se apresentar perante Olódùmarè! 
Axé awá lonan! Que a força esteja em nossos caminhos!


A ÉTICA E O CANDOMBLÉ
(Por Jaciara  Ribeiro)


Nós, adeptos das religiões de matrizes africanas, temos passado por perseguições desde que os nossos ancestrais chegaram a essa terra em decorrência do tráfico de africanos e sua exploração na forma de escravidão. 

Os deuses africanos tiveram que ser escondidos e camuflados no culto aos santos cristãos e desde então começaram as opressões. Depois de tantas lutas, vitórias importantes e mais uma série de batalhas travadas, é importante também que cada um de nós busque uma postura ética com os demais religiosos de matrizes africanas.

Hoje, com tantas mudanças e evoluções tecnológicas, me vejo preocupada com um mecanismo muito forte que vem mudando a história do Candomblé, a internet. Alguns dos nossos religiosos têm tido posturas que nos enfraquece e nos separa ao lançar na rede muitas informações distorcidas que acabam maculando a religião do Candomblé, através da exposição de imagens e conhecimentos, que, muitas vezes, chegam a pessoas que ainda não estão preparadas para adquirir certas informações ou as obtém antes do tempo correto.

Nós não temos um livro que nos faça ser Yalorixás e Babalorixás, nossos aprendizados e rituais são passados por nossos antepassados e guiados por Ifá através dos dezesseis búzios.


                                    
                                    Dezesseis búzios de Ifá: o adivinho!

Dessa forma, afirmo: nenhum Babalorixá e nenhuma Yalorixá tem o direito de criticar ou afirmar o que é certo ou errado em outra casa de Candomblé, uma vez que cada Ilê (casa) tem sua essência.

O próprio Orixá dono daquela casa de Axé saberá o caminho e conduzirá a Yá ou o Babá na forma de fazer os seus rituais e iniciar seus filhos. Até um sonho que uma Yalorixá tem pode trazer a condução de um ritual ou o caminho de Odú (karma, destino do homem).

Por isso acredito que nós do candomblé precisamos nos proteger e ter o mesmo carinho, respeito e cuidado com as outras casas, como temos com a nossa. Devemos enxergar nas outras a extensão de nossas casas de Axé independentemente de nação, raiz, dimensões e condições físicas.

Quando escuto falar mal de uma casa que não seja a minha, eu sofro como se o fosse, pois o Orixá é uno. O Ogum que dança na África é o mesmo que dança em qualquer casa de candomblé na Bahia.

Sem entendermos que o importante do Axé, são os Orixás, Voduns, Niquices (futilidades, objetos) e Encantados (seres misteriosos), não conseguiremos preservar a nossa própria força ancestral, a nossa essência e a nossa espiritualidade.

Se somos intermediários da manifestação do sagrado, temos que prezar por ele, preservando a integridade física e moral de cada um dos demais que compartilham da nossa religiosidade. É também de suma importância que haja essa preservação mútua para que nossas forças sejam direcionadas para quem insiste em nos discriminar e oprimir.

Nossos antepassados que morreram na África e aqui no Brasil nos observam de Orun (céu, mundo espiritual), e os nossos Orixás, Niquices, Voduns e encantados são a nossa essência, pois se misturam com o nosso ser.

Ser filho de Orixá, ou seja, OMO Orixá, não é para qualquer ser humano. Nós sabemos que os nossos corpos são preparados para ter as essências misturadas à do Orixá, ou seja, à própria força da natureza.

Sou Yalorixá Jaciara Ribeiro e tenho um histórico de 12 anos de luta contra a intolerância religiosa que se iniciou de forma dolorosa, com a perda de minha mãe biológica, a Yalorixá Gilda de Ogum.

Portanto, é em nome de Oxum, Orixá que guia a minha vida, o meu caminho, o ar que respiro que eu digo:

“O QUE EU DESEJO PRA MINHA VIDA E PRA MINHA CASA DE ORIXÁ, O AXÉ ABASSA DE OGUM, EU DESEJO PRA VOCÊ QUE É DE ORIXÁ E QUE TEM UMA CASA DE CANDOMBLÉ (YLÊ AXÉ)”.
Yalorixá Jaciara Ribeiro dos Santos.
Yôromim

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